Fe começa bem e tem ótimas ideias, mas perde ritmo e desperdiça potencial

Quando Fe foi anunciado no EA Play de 2016, que é a conferência pré-E3 da publisher, o “selo de indie” estava claramente estampado na apresentação, aos moldes do que aconteceu com o bem-sucedido Unravel: experiência minimalista, grande direção artística e ideias diferentes que conseguem ser aproveitadas de maneira compilada.

Na verdade, trata-se do primeiro jogo do programa EA Originals, iniciativa da EA em parceria com estúdios independentes. Fe teve algumas divulgações tímidas posteriormente ao anúncio de 2016, mas trouxe uma ideia brilhante o suficiente para ofuscar a escassez de marketing: uma criaturinha da natureza poderia se comunicar com outros seres vivos através do som, criando uma espécie de musicalidade que transformava os ambientes e permitia a progressão pela jornada.

Assim é Fe: um jogo que tenta ser “diferentão”, caricato, bonito e, junto a isso, busca a promessa de um gameplay excêntrico, que fuja do senso comum e, sobretudo, que consiga ser competente. Já diz o ditado que “boas ideias não nascem em árvores”, mas veja só: há muitas árvores em Fe, e grandes ideias vêm dali. Mas esse potencial não necessariamente se traduz de forma tão vigorosa. Vejamos.

O charme minimalista da natureza

Desenvolvido pelo estúdio sueco Zoink Games, Fe é o nome de uma pequena criatura derivada de raposa e capaz de correr, escalar e atravessar um misterioso bosque nórdico para defendê-lo de forças malignas. Numa vibe florestal que remete a Ori and the Blind Forest e uma atmosfera minimalista que traz lembranças de Journey, a aventura de Fe é também um exercício de autodescoberta para o bichinho.

Você deve proteger o ecossistema do bosque de seres sombrios conhecidos como “Silent Ones”, uma espécie invasora de máquinas. Fe tem a tarefa de aprender a falar na linguagem do bosque e, para isso, precisará cantar e sincronizar com plantas e animais. Cada um oferecerá à criatura uma habilidade única e novas mecânicas.

O que temos, aqui, é um mergulho numa terra encantada em que a fauna e a flora imperam em detrimento de robôs, futurismos e afins

É aí que mora o brilho da experiência: o que temos, aqui, é um mergulho numa terra encantada em que a fauna e a flora imperam em detrimento de robôs, futurismos e afins. Ao pressionar o gatilho direito, o pequeno ser vivo direciona a boca para o alto, aos céus, como um lobo que uiva sob a lua cheia, e solta o canto que atrai outros seres da natureza: pássaros, libélulas, quadrúpedes e outras belezas.

A história, portanto, é contada sem quaisquer diálogos escritos em texto, ilustrada apenas por cantos e outras onomatopeias das florestas de tom azul-turqueza e verde-musgo que pingam um bom colírio a nossos olhos. Sim, a direção artística de Fe é algo de muito bom gosto e extremamente convidativa para a exploração. Pena que esse convite não exatamente resulta na melhor das soluções.

Galeria 1

Ritmo frio

O começo dessa experimentação por vozes, ruídos e sonorizações não chega a dar nenhum impacto, mas desperta nossa curiosidade como um potencial inédito. Do tipo: “caramba, isso é diferente”. Mas esse encanto, infelizmente, é temporário.

Por não confiar em nenhum sistema de combate, Fe se resguarda unicamente na mecânica do canto e da exploração, que é sonífera. Mas eu já chego lá. O problema é que, com o tempo, a fórmula se repete. Ao alcançar uma nova área – que pode ser, conforme mencionado, verde-musgo, azul-turquesa, roxo-claro e por aí vai –, a tônica é sempre a mesma: encontrar o “líder” do local, que pode ser até uma planta, conectar-se a ele usando o tom certo do canto, numa combinação do gatilho com o analógico direito e, dali, partir para a exploração.

Raramente ela é criativa. Não há itens, não há combate, não há sinais de metroidvania, apesar de haver lampejos para isso em um ou outro puzzle. Poucos deles são imaginativos. Existem algumas seções em stealth diante das quais Fe precisa se esgueirar em plantas e rochedos para roubar itens preciosos dos bichos sombrios e levá-los a criaturas adultas com as quais o protagonista não consegue se comunicar. Ao trazer os itens a essas criaturas, a comunicação é estabelecida.

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Estabelecer comunicação com outros seres vivos, portanto, é a única tônica aqui. Cada vez que você faz isso, o mundo se transforma um pouco e gera reações diferentes, como o surgimento de plataformas no desabrochar de flores, criação de pontes e escaladas em árvores.

Essas escaladas são terríveis, aliás, uma vez que Fe não escala do jeito tradicional: ele “pula” de trecho em trecho até chegar ao topo. Não é incomum você se ver saltando da árvore sem querer pelo fato de conseguir subir somente pulando. Vamos enxergar da seguinte forma: “ah, mas essa é a mecânica do jogo, é de propósito”. Claro que sim, e palmas pela ousadia em abordar coisas diferentes.

Mas quando essas coisas diferentes simplesmente não funcionam tão bem, há que se fazer as ressalvas. Journey, por exemplo, conquistou o mundo justamente por ser minimalista e saber aplicar os conceitos certos do jeito correto. Não precisa de mais elementos do que já tem, tampouco menos. Ele está na medida certa. Fe se perde um pouco nessas medidas e, após um começo promissor, se torna monótono com rapidez.

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Exploração cadenciada

A exploração de Fe é boa e ruim ao mesmo tempo. Boa porque, enquanto a criaturinha divaga por florestas, cruza riachos e escala árvores, nós, jogadores, temos a oportunidade de deslumbrar um visual criado com aquela ótica indie, desprendida de padrões robustos e, acima de tudo, com uma belíssima e irrestrita direção de arte, desde os elementos que você vê ao fundo da tela, como aves girando em órbita sobre picos montanhosos, até as pequenas plantas e animaizinhos que te rodeiam ao cantarolar e harmonizar sons com você.

Há uma estranha sensação de vazio em meio a uma beleza tão grande que parece ter sido mal aproveitada

O lado ruim da exploração é que, basicamente, o visual e a cantoria são seus maiores atrativos. Conforme mencionado, não há um propósito tão grande em ter cenários mais abertos, já que eles confiam única e tão somente na natureza.

Portanto, Fe anda pra lá e pra cá enquanto chama, a todo momento, o pássaro-guia que conduz ao próximo objetivo. No máximo você coleta itens para levar a algum bicho adulto e está sempre fugindo dos “Silent Ones”. Às vezes até rola uma carona num pássaro gigante para você se deslocar pelo cenário... E só. Há uma estranha sensação de vazio em meio a uma beleza tão grande que parece ter sido mal utilizada; todas as ideias são legítimas, mas subaproveitadas.

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Veredito

Qualquer produto com ideias inéditas deve ser considerado autêntico à sua própria maneira. Fe respeita essa premissa, mas não traduz as mecânicas que propõe com a mesma criatividade que teve ao pensar nelas.

Como um título independente que tem o aval da EA dentro do programa EA Originals – o primeiro com esse selo, aliás –, Fe traz aquele paradoxal sentimento de tristeza em que tudo é tão bom, tão lindo e tão mediano ao mesmo tempo.

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É duro quando nos deparamos com algo que tem um potencial enorme e que, infelizmente, desperdiça esse dom. Serve para qualquer coisa do entretenimento e da arte: filmes, quadrinhos, séries, jogos, teatro.

Fe apresenta conceitos originais que merecem o seu olhar e, ao mesmo tempo, um desprazer gritante por fazer a gente pensar que poderia ter sido muito melhor. Quem sabe numa sequência.

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Pontos Positivos
  • Visual deslumbrante em bela direção de arte
  • Mecânica do canto é muito original para se comunicar com a fauna e a flora locais
  • Atmosfera da natureza traz um sentimento positivo de minimalismo
Pontos Negativos
  • Ao mesmo tempo em que há uma mecânica original, ela rapidamente cai na sonolência por se repetir até o final, ainda que existam variações nos sons
  • A profecia da monotonia recai sobre a aventura após um começo promissor
  • Ritmo da exploração é lento, com pouco propósito e sem sal
  • As boas ideias introduzidas pelas mecânicas novas não são aproveitadas em todo o potencial, deixando um sentimento de vazio e de desperdício
  • Depois de um tempo, o som de alguns cantos irrita um pouco e se torna estridente