Os 130 anos da Nintendo: a história que vai muito além dos games

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O ano era 1889. Em uma época onde o cinema estava dando seus primeiros passos e videogames nem sonhavam em existir, jogos não-digitais cumpriam um papel importante no entretenimento pessoal. Diversos tipos de jogos e sistemas de cartas, porém, eram proibidos no Japão por serem amplamente associados com apostas ilegais e criminalidade.

No auge de seus 30 anos, Fusajiro Yamauchi decide abrir na cidade de Quioto a Nintendo Koppai, uma loja que vendia baralhos de hanafuda, mas trazendo estampas coloridas feitas à mão. Aprovadas pela governo japonês e também pelo gosto popular, as “cartas de flores” foram o pontapé da empresa rumo ao entretenimento. Mal sabia o jovem empreendedor que sua loja se tornaria parte de um legado tão duradouro e promissor quanto a Nintendo de hoje em dia.

A família Yamauchi

No início do século XX, Fusajiro Yamauchi se aproveitou de oportunidades de expansão de seu negócio para outras cidades japonesas (como Osaka).  Motivado pelo sucesso das cartas — jogadas inclusive por mafiosos da Yakuza —, decidiu também iniciar a produção de baralhos ocidentais e fechar parcerias com tabacarias para popularizar ainda mais a atividade.

As cartas da Nintendo eram pintadas à mão e tinham estampas que representavam os doze meses do ano.

(Reprodução/Business Insider)

Satisfeito com o legado deixado naquela que já havia se tornado a maior empresa de jogos de cartas do Japão, o fundador e primeiro presidente decide se aposentar aos 70 anos e passar o comando dos negócios em 1929 para seu genro, Sekiryo Kaneda (que veio a se tornar Sekiryo Yamauchi). Durante 20 anos,  o  segundo presidente da empresa investiu no modelo de linhas de montagem e fundou a Marufuku, vertente voltada apenas para distribuição e logística dos produtos.

Em 1949, Sekiryo Yamauchi sofreu um derrame e foi prontamente afastado de seu cargo. Pouco tempo antes de falecer, entregou suas responsabilidades profissionais a seu neto de apenas 22 anos e, relutante sobre as consequências, conferiu  ao jovem inexperiente poder absoluto dentro da empresa caso fosse questionado sobre suas decisões. Hiroshi Yamauchi, terceiro presidente da Nintendo, ficou conhecido principalmente por ser uma pessoa difícil de lidar.

Qualidade e variedade

Durante seus primeiros anos, Hiroshi Yamauchi demitiu gerentes, propôs a mudança dos escritórios para um novo edifício e fundiu os braços comerciais da empresa em um único nome: Nintendo Playing Cards. Com reputação consolidada em terras estrangeiras, a empresa assinou um acordo de uso de imagem com a Disney, estampando icônicos personagens ocidentais em baralhos de plástico.

O negócio manteve-se tradicionalmente voltado à produção e comercialização de cartas até 1963, quando Yamauchi demonstrou interesse em diversificar os produtos e áreas de atuação da empresa. A Nintendo Company, como passou a ser chamada, criou uma marca de arroz instantâneo, investiu em uma companhia de táxi chamada Daiya e até inaugurou uma franquia de motéis.

A Nintendo mudou de nome algumas vezes, mas não tanto quanto mudou seus focos e negócios.

(Reprodução/Business Insider)

Com uma associação cada vez mais crescente dos jogos de cartas às atividades contraventoras de máfias japonesas, a popularidade desse tipo de negócio começou a cair na metade da década de 1960. As outras alternativas de serviços e produtos não foram tão promissores quanto os investidores esperavam e, novamente, a empresa precisou mudar seu modelo de negócios.

Um novo público surgia

Enquanto visitava uma de suas fábricas em 1966, Hiroshi Yamauchi se deparou com um dispositivo que apanhava objetos a curtas distâncias. A Ultra Hand, como acabou sendo conhecida após seu estrondoso fenômeno comercial, foi projetada como um passatempo por Gunpei Yokoi, funcionário responsável pela manutenção do maquinário da fábrica. Começava, a partir dessa época, uma nova mentalidade comercial na Nintendo voltada ao público infantil/juvenil por meio da criação, produção e comercialização de brinquedos.

Promovido do “chão de fábrica” ao cargo de projetista, Yokoi e o novo departamento denominado “Nintendo Games” foram responsáveis por diversas invenções criativas, mirabolantes e até bizarras dos anos subsequentes. A Ultra Machine, por exemplo, funcionava com um lançador de bolas de beisebol. Os N&B Blocks, por outro lado, foram criados para competir com o sucesso da marca LEGO. A divisão da empresa criou até uma espécie de protótipo primitivo do Tinder, o Love Tester, usado para medir o grau de amor entre duas pessoas!

Já pensou em dar aquele

(Reprodução/Business Insider)

O departamento de brinquedos não-eletrônicos continuou seus estudos e produção nesse modelo de operação até 1983. Paralelo a esse braço da Nintendo, alguns programadores e game designers — como o pioneiro Genyo Takeda — começaram a ser contratados a partir de 1972 para uma nova empreitada: jogos eletrônicos.

Uma iniciante no mundo dos eletrônicos

A partir de 1974, a Nintendo deu seu pontapé inicial rumo à distribuição de eletrônicos. O Magnavox Odyssey, um dos primeiros consoles de uso pessoal lançados, chegou primeiramente ao Japão pelas mãos da gigante de Quioto no mesmo ano em que Yokoi começou a trabalhar ao lado de Takeda em novas tecnologias para dispositivos eletrônicos. O ano seguinte marca a entrada da empresa no ramo dos fliperamas (arcades) com o título original EVR Race.

Os próximos anos foram muito frutíferos para o setor de eletrônicos. Enquanto Takeda coordenava o desenvolvimento de jogos eletrônicos originais e adaptados para arcade, Yokoi ficou responsável principalmente pela parte de hardware. Em 1977, por exemplo, a Nintendo lançava o Color TV-Game, seu primeiro hardware próprio que flertava com a ideia primitiva de consoles domésticos. Shigeru Miyamoto, estudante recém-formado em design industrial, também foi convidado a fazer parte da equipe criativa no mesmo ano.

Durante uma viagem de trem, Yokoi tirou inspiração de um passageiro mexendo em seu relógio digital para conceber, em 1979, o conceito do primeiro console portátil. Além de funções como horário digital e despertador, cada modelo do Game & Watch contava com um um jogo específico. Entre as figuras importantes que se destacam pela presença em modelos do console está inclusive o mascote da Disney, Mickey Mouse.

Alguns dos modelos do Game & Watch se tornaram tão raros que são peças valiosas de colecionismo.

(Reprodução/Business Insider)

Apesar de ter lançado diversos jogos no Game & Watch e Color TV-Game, foi apenas em 1981 que a Nintendo criou algo realmente popular e que mudaria sua história para sempre: Donkey Kong. O jogo de plataforma projetado por Shigeru Miyamoto e supervisionado por Gunpei Yokoi foi um respiro para a quantidade de títulos descartáveis que chegam a público naquela época — além de ter introduzido Jumpman, que eventualmente ganharia um novo nome e se tornaria o personagem mais conhecido da história dos videogames.

A era de ouro dos consoles

Após sobreviver ao crash dos videogames de 1983, a Nintendo lançou no Japão seu primeiro grande sucesso comercial em termos de console: o Family Computer (Famicom), lançado com um novo design externo no ocidente sob o nome Nintendo Entertainment System (NES) em 1985. Trazendo clássicos como Super Mario Bros., The Legend of Zelda e Metroid, foi um momento importante para novas franquias e consolidação de ideias.

A era dos portáteis começou para valer a partir de 1988 quando Gunpei Yokoi e sua equipe projetaram o Game Boy. A possibilidade de experienciar diferentes jogos e a vantagem da portabilidade foram fatores decisivos para o sucesso do produto. Entre os jogos mais populares, vale citar Tetris, Super Mario Land e os primeiros jogos de Pokémon.

O início dos anos 1990 ficaram marcados principalmente por uma disputa de público entre o Sega Genesis (conhecido no Brasil como Mega Drive) e o Super Nintendo Entertainment System (SNES). Nesse momento, a Nintendo sofreu com a quantidade de ótimos ports de arcade trazidos para o console rival, porém aproveitou-se do apoio de diversas third-parties (Squaresoft, Enix, Rare, etc.) para tornar sua biblioteca variada.

Da metade de 1990 para cá, a Nintendo passou por diversas fases com seus consoles de mesa e portáteis: o fracasso conceitual do Virtual Boy; o antiquado, porém lucrativo, sistema de cartuchos do Nintendo 64; os confortáveis e precisos controles do GameCube; as interessantes, porém sub-utilizadas, duas telas do DS; a arriscada jogada rumo ao casual com os sensores de movimento do Wii; a proposta de gameplay assimétrico local do Wii U, e por aí vai.

A Nintendo em 2019

Já faz mais de dois anos e meio que o Nintendo Switch foi lançado com sua proposta de atender tanto os jogadores de portáteis quanto aqueles que preferem consoles de mesa. Sua característica híbrida, bem como sua biblioteca composta de diversos títulos exclusivos, tem sido um grande atrativo nas vendas do console — que, mês a mês, parece só crescer, tirando vantagem do final da geração de consoles para seu benefício.

O que é perceptível ao longo dessa trajetória de 130 anos, porém, é como a filosofia inicial da empresa refletiu o tipo de produtos que mais marcaram presença em sua história. A Nintendo começou fazendo jogos e se aperfeiçoou na criação de brinquedos, passando por várias etapas de processo criativo humano.

A mais nova moda é praticar exercícios e jogar com o Ring Fit Adventure.

(Reprodução/Business Insider)

Quando vemos algo como Nintendo Labo ou Ring Fit Adventure sendo anunciados, não nos espantamos tanto. Afinal, é a Nintendo de quem estamos falando. A empresa que coloca diversão na frente de qualquer outro aspecto. A empresa que pensa em seus produtos primariamente como jogos e não como filmes ou outras formas de entretenimento. A empresa que arrisca no incerto, mesmo sabendo que tudo pode dar errado. À Nintendo vida longa.

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